terça-feira, 4 de março de 2008

Amar(Carlos Drummond de Andrande


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Monte Castelo


(Legião Urbana- composição:Renato Russo)

Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua do anjos

Sem amor, eu nada seria...

É só o amor, é só o amor

Que conhece o que é verdade

O amor é bom, não quer o mal

Não sente inveja

Ou se envaidece...

O amor é o fogo

Que arde sem se ver

É ferida que dói

E não se sente

É um contentamento

Descontente

É dor que desatina sem doer...

Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor, eu nada seria...

É um não querer

Mais que bem querer

É solitário andar

Por entre a gente

É um não contentar-se

De contente

É cuidar que se ganha

Em se perder...

É um estar-se preso

Por vontade

É servir a quem vence

O vencedor

É um ter com quem nos mata

A lealdade

Tão contrário a si

É o mesmo amor...

Estou acordado

E todos dormem, todos dormem

Todos dormem

Agora vejo em parte

Mas então veremos face a face

É só o amor, é só o amor

Que conhece o que é verdade...

Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua do anjos

Sem amor, eu nada seria...